Ele nasceu bem no meio da Época de Ouro da Animação. Foi concebido em 1938 como “Happy Rabbit” e, depois de alguns ajustes aqui e ali, apareceu pela primeira vez como o Pernalonga “Bugs Bunny” que conhecemos hoje, com nome e tudo, em 27 de julho de 1940, no curta A Wild Hare (“A Lebre Selvagem”) já com a notória voz de Mel Blanc e dirigido por Tex Avery. O personagem já nasceu sarcástico e carismático, “sempre o mais esperto do rolê”, um misto de Groucho Marx, Charles Chaplin, Humphrey Bogart e até Clark Cable. Vem de Groucho Marx, inclusive, o detalhe sutil de roer a cenoura com o canto da boca – tal qual o ator fumava seu charuto – e o bordão “Of course you know, this means war!” (“É claro que você sabe, que isso significa guerra!”), gentilmente roubada dos clássicos Duck Soup e Uma Noite na Ópera, dos irmãos Marx, e que o personagem fala quebrando a quarta parede e se dirigindo diretamente para a audiência.

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“O quê que há, velhinho?” no entanto é o bordão mais conhecido. Repetido à exaustão nas animações do Pernalonga, a frase icônica é citada por fãs mundo afora há décadas, provando que tem lugar cativo no imaginário coletivo global. Pernalonga é um dos personagens mais conhecidos do mundo e, por isso, tornou-se o mascote oficial da Warner Bros chegando a figurar nos logotipos mais antigos da empresa. Em 2011 o Guinness World Records registrava que o nosso herói já aparecera em mais filmes (curtos e longas) do que qualquer outro personagem de desenho animado, sendo na época, a nona personalidade cinematográfica mais retratada no mundo.

O coelhão é muito mais do que um ícone da cultura pop. É uma testemunha cultural da história mundial e chegou a se fazer presente em alguns momentos cruciais. Tendo ele mesmo nascido em meio à II Guerra Mundial, em 1945 o sarcástico coelhão encontra e engabela pessoalmente o segundo em comando do partido nazista, Hermann Göring, e o próprio Adolf Hitler no curta Herr Meets Hare. A ideia era promover uma espécie de escapismo aos horrores da guerra e, ao mesmo tempo, debochar escrachadamente dos ditadores mostrando que não havia nada a temer e que os mocinhos venceriam no final.

Assim como Chaplin, Pernalonga fez sua fama enaltecendo o nobre vagabundo, se aproveitando e até mesmo se deleitando da sua total liberdade (ou seria falta de responsabilidade) e ironizando todo e qualquer um que se levasse a sério demais. Segundo Pete Browngardt, atual roteirista e diretor de animação da Looney Tunes Cartoons, “ele [o Pernalonga] definitivamente evoluiu ao longo do tempo. Ele era muito mais irritável antes, mas foi se tornando esse personagem calmo e impassível, o ‘cara mais esperto da sala’, sempre do lado do que é certo”.

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“O Pernalonga é o padrão-ouro dos personagens de desenho animado na história do cinema. Ele transcende épocas, fala diretamente para culturas por todo o mundo. Ele defende os mais fracos dos mais fortes, faz suas retaliações apenas quando é provocado, sempre tem algo esperto para dizer, luta pelo que é certo. Você pode assisti-lo em qualquer época ou idade e ele ainda será engraçado.”
Pete Browngardt

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Seus antagonistas mais comuns nessas oito décadas são justamente seus perseguidores: Hortelino, Eufrazino e Marvin, o Marciano. Pudemos testemunhar tais embates no Show do Pernalonga, que foi ao ar por aqui nas manhãs dos anos 70 e, posteriormente, como parte da programação de diversos matutinos da TV, como A Turma do Balão Mágico, Bozo, Xou da Xuxa, Mara Maravilha, TV Colosso, Angel Mix, Eliana & Cia, Bom dia & Cia, TV Globinho até migrar para a TV por assinatura, nos canais Cartoon Network e Boomerang onde pode ser visto até hoje. O Show do Pernalonga nos deu inúmeras oportunidades de ver o protagonista como um verdadeiro mestre dos disfarces e ainda nos apresentou outros personagens icônicos, como Patolino e Gaguinho (os melhores amigos), Tina Russo, Taz, Pepe Le Pew, Frangolino e as inesquecível duplas: Frajola & Piu-Piu e Papa-Léguas & Coiote.

Em 1988 a turma toda participou de Uma Cilada para Roger Rabbit, de Robert Zemeckis para a Disney. Nessa verdadeira ode à Era de Ouro da Animação, Pernalonga apareceu pouco, mas dividia todas as suas cenas com o ninguém mais ninguém menos que o próprio Mickey Mouse. Era uma exigência sagaz da Warner para liberar sua principal estrela para o estúdio concorrente: os dois personagens deveriam ter o mesmo tempo de tela. Esta foi a última vez que Mel Blanc dublou o personagem antes de falecer no ano seguinte, aos 81 anos.

O dublador sofreu um acidente de carro, em 1961, que o deixou em coma por duas semanas. Sem responder a nenhum dos estímulos dos médicos e familiares, Blanc apenas reagiu quando um dos médicos perguntou despretensiosamente “Bom dia, Pernalonga, como você se sente hoje” ao que o ator imediatamente respondeu “O que é que há, velhinho?”. Segundo os neurologistas “era como se o Pernalonga estivesse tentando lhe salvar a vida”. Blanc era um profissional tão comprometido com seus personagens que de alguma forma eles sobreviveram ao acidente, protegidos da lesão cerebral, no fundo da mente inconsciente do artista. A pergunta do médico deve ter soado como a sugestão de um diretor, o suficiente para fazer o “profissional” despertar. A recuperação completa demorou sete longos meses e Blanc viveria ainda por quase trinta anos.

É impossível falar de Pernalonga sem falar de Space Jam – O Jogo do Século. Acreditem: em 1996 o mundo parou para assistir a maior partida de basquete da história universal! Com direito a participação mais que especial do ídolo Michael Jordan – citando até mesmo a controversa passagem do atleta pelo baseball – Space Jam nos apresentou a charmossíssima Lola Bunny, foi um inegável sucesso de bilheteria mundo afora e ajudou a popularizar ainda mais a NBA no Brasil. No elenco, além de nomes como Bill Murray, Wayne Knight e Danny DeVito, estrelas na NBA como o lendário Larry Bird e os jogadores atuantes da época, Patrick Ewing, Charles Barkley, Larry Johnson, Muggsy Bogues e Shawn Bradley – entre outros – também figuram no longa. A famigerada sequência – Space Jam – O Novo Legado – saiu finalmente do papel, já está em pós produção e conta com Lebron James e Don Cheadle.

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Por essas e outras não é exagero afirmar que o Pernalonga nunca deixou de ser um fenômeno. Passou a figurar no Tiny-Toons Adventures como o reitor da Acme Looniversity e faz aparições frequentes no Taz-Mania, Animaniacs e no Histeria! além de um Pernalonguinha filhotinho que pode ser visto ainda no Baby Looney Tunes. Depois de 2015 também passou a ser possível encontrar o nosso herói em vários Games, até mesmo o Scooby Doo and Looney Tunes: Cartoon Universe.

Em 10 de dezembro de 1985, o Pernalonga se tornou o segundo personagem de animação (o primeiro foi Mickey Mouse) a receber uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood. Em 2002, na edição comemorativa do 50º aniversário da revista TV Guide, apareceu como o maior personagem de desenhos animados de todos os tempos, numa lista de 50 nomes compilada pela publicação. Em 2015, nos 30 anos da Jordan Brand, ganhou da Nike sua própria versão do Air Jordan – o Air Jordan Mid 1 Hare. Um legado de fazer inveja!

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Tido pelos especialistas como um dos melhores representantes do humor inteligente, Pernalonga é tudo o que se espera de um excelente personagem de desenho animado. É praticamente um comediante, com tiradas incríveis e um traço icônico desenhado lindamente. Capaz de emocionar e fazer gerações inteiras rirem, ele ainda consegue se inserir em debates importantes da modernidade ao associar-se à fomentação da cultura da paz. O banimento das armas de fogo dos desenhos é um presente do aniversariante à sociedade, num momento em que governantes defendem justamente o armamento da população civil. Ídolo!

Drops:

• Foram vários os atores que dublaram o personagem no Brasil. A voz mais marcante e a mais reconhecida foi de Mário Monjardim, que também dublou o Salsicha e o Frangolino entre outros inúmeros trabalhos na animação, no cinema e na TV. Em 2003 foi substituído por Alexandre Moreno, conhecido por ser a voz oficial dos atores Adam Sandler e Ben Stiller na maioria de seus filmes.
• O nome Bugs Bunny vem de uma origem super simples: Charlie Thorson – um dos criadores – anotou “Bugs’ bunny” (“o coelho de Bugs”) na folha do desenho, o “model sheet”, de estudo do personagem. Ele escreveu assim para creditar os desenhos do coelho, como de propriedade de um outro criador, Ben “Bugs” Hardaway. O nome foi sendo anotado de estudo em estudo e acabou adotado de vez como homenagem a “Bugs” Hardaway.
• Para os puristas: Pernalonga é um personagem mais conhecido por ser um coelho. Seu apelido “Bunny” e o fato de viver numa toca mostram que ele seria um coelho, mas suas orelhas compridas se parecem mais com uma lebre.Sua espécie, no entanto, pouco importa posto que as duas referências aparecem nos títulos e mesmo nos diálogos: “Hare” (lebre) ou “Rabbit”/”Wabbit” (coelho).
• Aqui tem informação! A altura do Pernalonga é de 99 centímetros, 121 centímetros se medirmos com as orelhas.
• A famosa imagem do Pernalonga de Batom, recorrente meme nas redes sociais desde 2017, aparece no curta Hillbilly Hare, de 1950. Aliás, como um bom mestre dos disfarces, o Pernalonga de veste de mulher com muita frequência e chegou a até a ser citado em Quanto mais Idiota Melhor por causa disso. Tem um artigo ótimo em inglês sobre o Pernalonga de Drag aqui.
• Existem situações em que algumas cenas dos Looney Tunes que passavam na Globo, não passam no Cartoon Network, como as cenas em que os personagens imitavam negros pintando o rosto de preto, consideradas racistas, e forambanidas pelo Cartoon Network até hoje. Ou também cenas em que os personagens aparecem com uma arma na própria cabeça, por causa da violência.
• Detalhe interessantíssimo em Space Jam: quando os alienígenas estão disfarçados assistindo o jogo de basquete, eles estão usando o icônico look de Tom Baker como o 4o. Doctor (Doctor Who, 1963). Eu poderia deixar várias outras curiosidades incríveis sobre Space Jam mas vou deixar para fazer isso no lançamento de Space Jam – O Novo Legado em julho de 2021. Aguardem!