Não sei se você está sabendo, mas recentemente a Marvel se envolveu em uma polêmica das grandes em sua divisão de quadrinhos. Semana passada houve uma reunião do alto escalão da editora, com representantes das maiores lojas de quadrinhos dos EUA. A ideia era mostrar que a editora está trabalhando em conjunto com os parceiros e que vai mudar a sua linha de comunicação, torná-la mais efetiva, para atrair mais leitores casuais para as comic shops. E durante a reunião a coisa toda acabou meio que saindo dos trilhos e virou uma grande lavagem de roupa suja.
E aí o que aconteceu? Os lojistas abriram o coração e atribuem a queda significativa nas vendas a alguns fatores:
- Descaracterização dos personagens clássicos e substituição deles, por personagens de legado, sempre pertencentes a minorias;
- Excesso de Maxi-sagas, uma após a outra, que levam consequentemente a reboots nas revistas;
- Equipes criativas questionáveis no comando das principais publicações da editora;
- Outras políticas editoriais, o que inclui preços dos encadernados e outras atitudes como a ausência de séries limitadas.
Segundo os lojistas, os leitores de quadrinhos são muito apegados às caracterizações clássicas, então teoricamente eles não estariam interessados em “mensagens políticas” nas suas histórias. Isso afeta diretamente as vendas, que tem caído nos últimos meses e a Marvel se viu ultrapassada pela DC Comics em vendas no mercado americano, por causa da iniciativa Rebirth, que se propõe justamente a resgatar antigos valores da DC com as caracterizações mais clássicas dos personagens e indo na direção contrária à Marvel.
Pelo lado da Marvel estavam conduzindo a reunião o Editor-Chefe Axel Alonso e o VP de vendas e marketing, David Gabriel, quando perguntado sobre o porquê dessa mudança de “gosto” dos leitores, foi responsável pela seguinte pérola:
“Eu não sei se isso é uma pergunta para mim. Acho que essa é uma pergunta melhor para os varejistas que estão vendo todos os editores. O que ouvimos foi que as pessoas não queriam mais diversidade. Eles não queriam personagens femininas lá fora. Foi o que ouvimos, acredite ou não. Eu não sei se isso é realmente verdade, mas é isso que vimos nas vendas.”
Dos pontos que os lojistas reclamaram, a gente abordou alguns nesse post aqui, mas não falamos muito sobre diversidade e eu acho que vale a pena abordar essa questão aqui. O que ficou parecendo, na minha opinião, é que a Marvel, através de David Gabriel simplesmente desviou da bala deixando a culpa na conta das minorias. Mas se você parar para analisar com calma, será que isso é verdade?
A verdade é que a Marvel não vem vendendo bem em comparação com a concorrência. Em Fevereiro, nos EUA só dois títulos do top 10 de vendas era Marvel. E a Marvel vem tentando introduzir e reviver alguns personagens pertencentes a minorias, parecendo mais preocupada em aumentar a diversidade do que manter o status quo. Por exemplo, no momento, Sam Wilson ex-Falcão é o Capitão América, colocando um negro no papel de um dos personagens mais emblemáticos da Marvel. Temos também Kamala Khan, uma americana-paquistanesa, muçulmana e a nova Miss Marvel, a Ironheart Riri Williams, que assumiu o lugar do Homem de Ferro, entre outros personagens que vem ganhando espaço.
São muitas mudanças em um espaço tão curto de tempo certo? Então na cabeça dos dirigentes da Marvel a culpa é dessas mudanças. Ou seja, todos nós, fãs aceitamos numa boa viagens dimensionais, transmorfos de outras dimensões, mas a ideia de uma negra vestir a armadura e sair por aí defendendo os MESMOS ideais dos outros heróis, é muito?
Caso você esteja se perguntando, a resposta é não. Segundo uma pesquisa do Comic Book Resources, The Mighty Thor, estrelando Jane Foster como a Deusa do Trovão é o SEGUNDO título que mais vende nos EUA. Invincible Iron Man, que conta com uma super-heroína negra, no comando da armadura que já foi do Tony Stark também está entre os 10 títulos mais vendidos. Black Panther, escrito por Ta-Nehisi Coates foi o título mais vendido de 2016. Não da Marvel, do mercado. Então não me venha com esse papinho de que diversidade é o problema.
Beleza, mas qual é o problema então?
Bom pra começo de conversa, talvez o modo como a Marvel coloca essa diversidade nos seus títulos seja o problema. Temos mais personagens com mais diversidade do que nunca, mas a maioria da indústria não segue essa diversidade. E se você não está inserido naquele universo, como pode escrever sobre ele? Essa talvez seja uma razão, isso leva a personagens tendo atitudes que simplesmente não fazem sentido para muitos leitores. Já passou da hora de trazer escritores e criadores negros, mulheres, LGBTs. Todo e qualquer tipo de pessoa que traga experiências ~fora da caixinha~. A diversidade tem que ir além dos personagens e fazer parte do mundo real, com quem trabalha na indústria também.
Mesmo assim, é claro que vão haver títulos fracos, que não vão vender e serão cancelados. É o mercado e a vida. Se não vende, se não é atrativo, vai acabar perecendo. E não necessariamente pela diversidade. A HQ pode muito bem ter um argumento fraco, roteiro e arte, ou até a estratégia de marketing pode não ter sido a melhor possível. Mas você simplesmente jogar na conta de “diversidade não vende”, fica claro qual é a ideia: dar uma desculpa pra lá de esfarrapada. E na boa, hoje em dia não cola mais. Até por que, quantos títulos de heróis estereotipados, já não foram cancelados e ninguém veio botar a culpa na etnia. O foco não pode ser em culpar a diversidade e sim como fazer certo para incluir.
Isso sem falar que parar de emendar mega sagas nem pensar né? Parar de rebootar o Universo Marvel todo verão também não né? Pensar em histórias melhores, argumentos melhores, vão falar muito mais alto do que a presença de uma heroína ou de um herói negro por exemplo. Os fãs estão interessados em BOAS HISTÓRIAS e se a Marvel nos der isso, eu duvido que as pessoas abandonem as HQs. Só pra você ter uma ideia, no momento está começando uma nova mega saga do Universo Marvel, Secret Empire, onde o Capitão América faz parte da HYDRA, é um fascista opressor e os eventos dessa saga vão “mudar para sempre o Universo Marvel”. O que ninguém lembra é que ontem mesmo o Homem de Ferro e a Capitã Marvel estavam saindo na porrada em um evento que iria “mudar para sempre o Universo Marvel”, em Guerra Civil 2.
Caso você ainda tenha alguma dúvida, não. O problema não é, nunca foi, nem nunca será a diversidade. O problema é fazer as coisas direito. Se você duvida de mim, vá ler Mighty Thor, Invincible Iron Man, Ms. Marvel e o Homem-Aranha com o Miles Morales. Depois a gente conversa.
Talvez seja hora da chamada “Casa das Ideias” começar a focar mais nessa matéria prima aí. O resto se encaixa.
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