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Todo fã de video game sabe que os anos 80 e 90 foram tempos obscuros, sendo cenários de diversas lendas urbanas e creepypastas envolvendo não apenas jogos, mas todo tipo de coisa. Como o acesso à informação confiável era um tanto quanto complicado, mitos se espalhavam facilmente por todos os cantos, e alguns ficaram eternizados no imaginário popular de tão famosos que se tornaram: o assoprão nas fitas, cartuchos de ET enterrados no deserto, Fofão amaldiçoado, Simpsons com pacto para prever o futuro etc.

A internet primitiva ajudou na criação e proliferação de diversos mitos sobre games, sendo a maioria deles oriundos de fóruns já extintos. Provavelmente a maior parte desses boatos envolvendo jogos se deu pela demonização crescente de consoles naquele contexto, tanto é que se você for um pouco mais velho aposto que já deve ter ouvido sua mãe dizer algo como “video game estraga a televisão”. Esse certo medo dos jogos e da internet era comum na época, afinal a televisão vivia divulgando matérias tendenciosas que tentavam desmoralizar seu concorrente de entretenimento. Outro ponto legal de citar é que as pessoas, independente de seu contexto ou época, tendem a sentir medo de tecnologias revolucionárias que potencialmente podem alterar o seu cotidiano já cômodo — uma prova bem legal disso são as artes retrofuturistas do século XIX — , e dessa forma a péssima recepção de estranhamento não foi muito diferente com a internet e os consoles.

Versão de testes

 polybius

Assim como grande parte dos mitos dos jogos, Polybius nasceu anonimamente num fórum sobre video games, em 1998. A postagem original trazia algumas informações sobre o jogo em questão, tendo título, data de lançamento e empresa desenvolvedora, e esses dados teriam sido obtidos por alguém que possuía uma ROM não confiscada.

A partir daí começa a lenda: segundo usuários, as máquinas de Polybius teriam sidos expostas em alguns dos fliperamas de Portland, em Oregon. O jogo era tão bom que se tornou famoso por ali, sendo a principal atração para os gamers e a causa de gigantescas filas, gerando um lucro considerável para os donos de tais estabelecimentos.

O conteúdo do game era bastante básico, uma mistura de tiro espacial com puzzle. Ele continha diversas luzes piscantes e uma grande variedade de objetos simultâneos, exibindo um turbilhão hexagonal e bem colorido que criava formas e se movia pela tela. Assim como em Space Invaders, seu objetivo era disparar tiros com sua nave para destruir essas formas alienígenas ameaçadoras.

O que sabemos hoje é que estímulos luminosos são fortes gatilhos para pessoas sensíveis, causando ataques epilépticos que variam de intensidade. O problema é que Polybius estava cheio desses estímulos, afinal a premissa do jogo era justamente acabar com o que estava gerando o pisca-pisca de luzes. Os efeitos colaterais dessa combinação vieram um tempo depois: diversos jogadores supostamente sofreram com náuseas, insônia, perda de memória, um pós-trauma de arcades e bastante estresse, e tudo isso teria sido consequência do game.

Não bastasse os efeitos colaterais gritantes, algo que fomentou ainda mais a polêmica de Polybius foram as visitas de homens de preto — os agentes do FBI — aos estabelecimentos onde as máquinas do game estavam instaladas. Eles faziam visitas periódicas para coletar informações armazenadas nos arcades, e posteriormente recolheram as máquinas do jogo após um garoto ter convulsões durante a jogatina.

MIB, governo americano e controle populacional

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Uma das teorias defende que Polybius é um projeto do governo americano para tentar controlar o comportamento dos jovens e acabar com sua fixação por video games. Os ataques e efeitos colaterais seriam estímulos que tinham como objetivo afetar as crianças de tal modo a desencadear uma aversão à jogos virtuais — uma das consequências ditas pelos usuários.

Como grande parte desses gamers passaram a ter esse sentimento repulsivo por jogos, o experimento teoricamente teria dado certo no que tange resultados, porém saiu de controle ao tomar grandes proporções e gerar desconfiança para com o público, esse que inevitavelmente associou uma coisa à outra — tanto é que hoje em dia nós conhecemos a creepypasta.

Sua falha resultou no recolhimento das máquinas, cancelamento do experimento e um total sumiço de qualquer coisa minimamente confiável que envolva Polybius.

Sinneslöschen

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Após a lenda urbana ficar famosa, foi criado um site para Sinneslöschen, a empresa desenvolvedora do game descrita na postagem original. Ela alega ter desistido de colaborar com o governo, focando agora no setor privado, desenvolvendo tecnologias para o bem-estar humano: relaxamento, meditação, auxílio anti-tabagismo etc, todas tecnologias estimulantes bem parecidas com as de Polybius – só que positivas.

A suposta empresa não nega envolvimento com o game, inclusive disponibiliza uma versão feita por fãs, essa bastante fiel aos relatos da postagem original. Esse jogo, ainda que não seja original, pode ser gatilho para pessoas sensíveis (tanto quanto Polybius teria sido). Ele pode gerar dores, ataques e essas coisas do tipo, portanto exige um certo cuidado ao ser consumido. Você pode baixar o jogo e conhecer o site clicando aqui.

A verdade

Polybius é na verdade um nome fictício para a versão de testes de Tempest, um jogo da Atari que simula uma (falsa) tecnologia 3D numa batalha com naves alienígenas. Ele foi recolhido graças aos efeitos já citados, os de suas cores que resultavam em epilepsia à pessoas fotossensitivas.

We do know that at least two people fell sick from playing arcade games in Portland, Oregon in 1981. The Eugene Register newspaper reported on November 29, 1981 that 12-year-old Brian Mauro played Asteroids for more than 28 hours, trying to break the record, as local television crews watched. He finally bowed out with stomach discomfort, attributed to anxiety and all the Coke he drank. Researcher Cat DeSpira, writing in a 2012 edition of online vintage gaming publication Retrocade, discovered that a Michael Lopez developed a migraine headache while playing Tempest on the same day and in the same arcade where Brian Mauro was going for his record. Lopez was reported to the police when he collapsed in pain on someone’s lawn. Two players knocked out in the same arcade on the same day. Stories spread like wildfire in the local middle schools: video games were freaking kids out, possibly even trying to take over their minds.

Aqui Brian cita as únicas evidências reais de jovens vítimas dos video games no ano de 1981, em Portland (local onde Polybius teria acontecido): ambos no mesmo fliperama, um deles jogava Asteroid e passou mal em decorrência da ansiedade e do alto consumo de Coca-Cola, e o outro sofreu graças aos estímulos de luz de Tempest – ou seja, apenas um foi afetado pelo “Polybius”, então não, não foram muitas vítimas como a teoria alega.

Sobre os homens de preto do FBI, eles também aconteceram de verdade, só que por outros motivos: haviam indícios de que os donos dos fliperamas modificavam as máquinas para ganhar dinheiro com apostas ilegais, algo bem similar ao que acontece nos bares brasileiros até hoje com o famoso jogo do bicho. Essa foi a causa das investigações nos estabelecimentos e a mexeção nos arcades, nada que faça você colocar o chapéu de papel alumínio.

Como mentiras nascem (e duram) na internet

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Bom, provavelmente você já contou muitas mentiras, inclusive deve ter contado algumas só hoje. Mentir é algo naturalizado, todo mundo fez e faz constantemente, desde as desculpinhas pra não sair, a photoshopagem na foto do Tinder ou até mesmo os grandes boatos. Existem diversos tipos de mentiras, mas quando temos que enquadrar como creepypasta quando estamos falando de Polybius.

Creepypastas são contos de terror originados na internet, normalmente envolvendo algum produto popular como música ou games – provavelmente para se espalharem mais rápido. A narrativa delas precisa ser “mística” com aquele ar de terror, então é bastante normal que sejam uma total invenção do OP, uma verdadeira fanfic criada do nada. Por outro lado, existem creepypastas com resquícios de verdade, só que aumentados/manipulados de modo a ficarem impactantes… esse é o caso de Polybius.

Eu particularmente gosto muito de investigar algumas coisas que são misteriosas para mim, então passo bastante tempo pesquisando por temas que me intrigam. Acredito que exista um nicho que também goste de fazer esse tipo de coisa, mas é aí que tá: para existirem investigações, é necessário que exista também “material misterioso”, e é aí que entra a criação de boatos em fóruns.

Se coloque no lugar de um usuário de fórum de games nos anos 90, com pouco acesso à informação verídica e com muita vontade de debates – o intuito dos fóruns. Por que não criar um boato sobre arcades? Por que não falar de algo que aconteceu na minha cidade? Isso poderia ser uma inesgotável fonte de debates, afinal é bem difícil que alguém consiga averiguar com precisão algo que envolve o governo americano, experimentos e máquinas que foram recolhidas por homens de preto.

As creepypastas nesse estilo provavelmente tinham como única meta atingir público suficiente para gerar longos debates, entretendo uma galera por um tempão e potencialmente sendo eternizadas. Mentiras em rodas de amigos também são basicamente isso, consiste em você falando um montão de coisas que sequer aconteceram, tudo isso para poder ocupar seus amigos por uns 15 minutos. Claro que também existem boatos maldosos que tentam manchar a reputação de pessoas ou grupos, mas não creio que seja esse o caso, pelo menos não com Polybius.

Pegue a internet “virgem” da época, adicione o entusiasmo dos usuários de fóruns em criar teorias e some isso com agentes do FBI, experimentos governamentais e jogos malditos… o resultado é esse aí, Polybius!


Referências e links úteis:

Ah, vale destacar que esse texto foi inspirado pelo livro do grande Pablo Miyazawa, 52 Mitos Pop (clique aqui se quiser comprar).