Provavelmente você, um exímio fã de filmes de terror/suspense, já presenciou uma cena em filmes ou jogos do gênero onde alguma personagem se vê num ambiente hostil, com uma música nada agradável de fundo que aumenta gradualmente conforme um “mal” se aproxima. É de se esperar que nessas situações algo assustador pule na tela e cause espanto tanto na personagem quanto em você – na verdade a surpresa seria se não houve qualquer susto naquela cena.
O nome dessa técnica é jump scare, que em tradução literal significa “susto do pulo” – uma ótima jogada já que algo “pula” na tela e faz com que você pule de medo aí na sua cadeirinha. Como você já sabe, jump scare é algo bem manjado nas produções de horror, principalmente nas de cunho sobrenatural (demônios, freiras do mal etc), tanto é que eu te desafio a pensar em três blockbusters de terror desses últimos cinco anos que não tenham pelo menos um apelo à esse recurso.
[…] a grande popularidade do jump scare surgiu nos anos 70 e 80, especialmente com a popularização do slasher – um subgênero do horror onde acompanhamos algum louco assassino indo atrás de um grupo de pessoas. Um dos grandes expoentes disso é A Hora do Pesadelo, de Wes Craven, que apresentou ao mundo a figura deformada de Freddy Krueger, com uns bons sustos no meio.
https://www.legiaodosherois.com.br/2018/bu-afinal-precisa-mesmo-de-jump-scares.html
O problema não é especificamente o recurso em si, mas sim seu péssimo uso em tais obras. Dropar diversos demônios pulando na tela repetidas vezes quase sempre precariza a narrativa, porque aí é só meter uma trama de casa assombrada e pronto, o filme está feito. Geralmente é assim mesmo, os responsáveis pela produção inventam um monstrão genérico sem muita explicação, o colocam num ambiente hostil e introduzem personagens humanos para sofrerem sustos com o tal monstro.
Existe um playable teaser de Silent Hill, lançado em agosto de 2014 pela Konami (na verdade tava mais pra Kojima Productions). Nesse p.t. nós resolvemos puzzles satânicamente difíceis em primeira pessoa, lidando com um feto abortado falante (com uma voz de bêbado), corredores mal iluminados e uma moça de vestido que vive dando sustos nos desavisados que falham nas missões.
O p.t. foi bem entre os críticos, ele levou diversos elogios por conta de seus gráficos e jogabilidade desgraçadamente elaborada por um infeliz que queria nos prender o máximo de tempo naquilo. O problema é que o “game” foi muito mal recebido pelos fãs de Silent Hill, e a maior causa disso foi justamente o maldito jump scare do fantasma da Lisa que era o protagonista do teaser. Quem já jogou Silent Hill sabe que a franquia nunca foi (apenas) sobre monstros pulando na tela, na verdade se tratava de uma outra espécie de terror, mas nem de longe esse lance de ficar assustando o jogador. O jump scare deturpou bastante a franquia de SH, então teve um considerável volume de rage dos fãs. Tudo acabou quando o grande Kojima iniciou seu processo de divórcio com a Konami, e posteriormente o game foi cancelado e sua p.t. removida da loja, sumindo do mapa e sendo alvo de uns strikes do nosso amigo Hideo.
Deixando um pouco Silent Hill de lado, o ponto é que uma obra de horror não precisa de tantos sustos para ser considerada boa – na verdade é quase que o contrário. Podemos pegar o exemplo do mestre Junji Ito, um mangaká que manda muito bem em seus contos antológicos de terror, usando ilustrações que mostram uma coisa horrenda, mas sem te dar excessivos sustos. O toque amedrontador de Junji Ito não está em fazer os leitores pularem de suas confortáveis cadeiras, mas sim em te causar agonia ao se imaginar em tais situações nada agradáveis. Se quiser um exemplo cinematográfico com poucos ou nenhum jump scare, posso citar Get Out (2017), Us (2019) ou Orphan (2009). E também temos jogos de terror com Resident Evil 4 ou até mesmo o próprio Silent Hill 2.
“Tudo que tenha jump scare é ruim?”
Não, afinal meu problema não é com o recurso em si, mas sim seu péssimo uso – inclusive já citei isso. Existem inúmeros filmes de horror muito bons que se usam do JS, e um ótimo exemplo disso é o clássico Psicose do Hitchcock. Nesse longa existem coisas pulando na tela com o objetivo de te assustar, mas a trama do filme não se resume à isso, entende? Tem um plot bom, um twist genial e além disso não é genérico nem se comparado aos filmes de seu contexto (anos 60).
Obs: uma recomendação de filme com excelente uso de jump scare é O Exorcista – caso você seja uma das doze pessoas no planeta que ainda não assistiram esse filmão.
Ah, não posso deixar de citar os casos onde o jump scare é realmente a proposta da obra, como em Five Nights at Freddy’s. O jogo se vende como algo que dá sustos, então você compra sabendo que vai pular da cadeira inúmeras vezes durante a campanha. Caso não queira ou não possa tomar sustos, então não compre, afinal você sempre soube que o principal foco da narrativa são os mecha-demônios dropando na tela.
O que mais complica é quando são criadas inúmeras obras que em divulgação se propõem a ser algo além disso – uma produção com história interessante e coisa do gênero -, mas então no final não conseguem passar de mais e mais sustos genéricos e nada inesperados. Esse tipo de uso degenerado do JS só traz malefícios, na verdade é apenas mais uma daquelas criações feitas meramente pelo lucro e sem qualquer vontade de agradar o público – tanto é que a maioria delas sequer tem continuação. Muitas pessoas são lesadas por essas produções, e aí acaba que você compra pensando ser X, mas na real recebe um combo de pulos na cadeira (e nada além disso).
Além das tramas clichês…
E por fim vamos falar de um outro problema do JS contemporâneo – aquele com a música que vai aumentando aos poucos -, que é a sua completa previsibilidade, destruindo toda atmosfera de suspense da cena. Não que isso deixe de assustar, mas ainda sim é bem chato quando a gente sabe exatamente o momento em que o antagonista vai aparecer.
Tome cuidado com o filme que vai assistir ou o jogo que vai jogar, afinal a experiência pode ser bem manjada. Recomendo ver algumas reviews um pouco antes de consumir tal conteúdo, principalmente se tiver problemas cardíacos hehe.
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