Era uma vez uma excelente anfitriã que em troca de todo o amor que oferecia pedia apenas uma dose hiperbolicamente cômica de cuidado com tudo que há em seu lar.
Ela não esqueceu um sapato de cristal em uma escadaria, nem foi aprisionada por uma fera, muito menos adormecida por uma roca ou por uma maçã envenenada. Ela remodelou seu Conto de Fadas, com todas as suas regras estabelecidas nos mínimos detalhes e lutou etapa por etapa para conseguir encontrar o seu final feliz – com direito a peru na cabeça e muitos doces natalinos. Meus caros procrastinadores, é acerca de Monica Geller que vos falo.
Monica sempre se destacou pelo vício em organização e limpeza, e isso se tornou o ponto mais alto de cascalhada da personagem na série, mas por trás de uma personalidade tão exigente, existe um coração enorme que acolhe todos que precisam sem perder o tom da sensatez e da justiça. Monica vive pelo justo, e se sente injustiçada quando não é reconhecida por aquilo que faz de melhor.
No decorrer da série, a chef de cozinha tem muitos altos e baixos na profissão e no amor, mas muito disso é porque ela tem seus objetivos claros para si – sobre o que quer e o que não quer – em ambos os campos. Na profissão, ela busca destaque extremo naquilo que faz, e sempre tem uma leve crise de felicidade quando algo que cozinhou é valorizado, e pelo contrário, fica frustrada quando diminuem o seu talento – o que é o caso de sua mãe, Judy, que constantemente influencia de forma negativa o emocional de Monica com o seu favoritismo inquestionável pelo seu irmão, Ross.
No amor, ela idealizou um marido perfeito, filhos e uma vida totalmente estável, mas a cada momento da série, ela teve que aprender a desconstruir as ilusões utópicas e redesenhar todos esses objetivos de forma mais realista – sem desistir deles, importante mencionar: uma vez que esses objetivos eram sólidos e plausíveis, Monica sabia que era possível alcançá-los e que teria que ser complacente a algumas presumíveis alterações, e mesmo com todas as idiossincrasias e manias da chef de cozinha no que tange a dureza consigo mesma, ela aprendeu a se adaptar a todas essas mudanças.
No começo da série, ela encontrou Richard, o “homem perfeito”, com o qual teve momentos marcantes, que era maduro o suficiente para entender todas as especificidades mais sui generis de Monica, mas, a perdidamente apaixonada teve que mandar esse príncipe digno do final desse Conto de Fadas embora por ele não corresponder ao seu maior sonho: o de ter filhos. O término foi o momento mais melancólico de Monica – e talvez o mais importante para o seu amadurecimento pessoal -, mas entender que não se pode deixar de lado aquilo que sempre sonhou por conta de ninguém foi a comprovação suprema do amor próprio.
Mesmo com o “fracasso amoroso”, as exigências no trabalho, os traumas da obesidade e a mãe impertinente, Monica aprendeu a apanhar um aspirador de pó e sugar tudo isso para um amontoado de lixo em prol de se desfazer de toda a negatividade, mantendo apenas os aprendizados que seriam úteis para a cadeia de expansão pessoal que ela sempre buscava. Monica começou rigorosa e invariável, mas aprendeu que nem tudo na vida é tão estável assim, e que, às vezes, o maior presente vive no mais inesperado.
Apesar de sua mãe ter moldado grande parte de sua personalidade por muito tempo, Monica se desprendeu das cordas desse fantoche e trilhou seu próprio caminho, sendo uma versão profusamente mais desenvolvida de si mesma a partir do momento que trabalhou o conhecimento e a aprovação pessoais.
No amor, Monica desmistificou a fórmula encantada de príncipes em cavalos brancos e encontrou o seu afeto no íntimo de uma deleitosa parceria já fortalecida por anos de amizade. Disposto a ter filhos e a viver uma vida estável ao lado dela – por mais instável que fosse -, Chandler encontrou em Monica a universalidade de suas ausências, aquela que poderia lhe apresentar o amor que se acostumou a viver desprovido por anos. A capacidade de colisão desses dois mundos criou uma história digna de aclamações, e apaixonou gerações.
Monica traçou a sua história novamente com todas as suas exigências, mas também com maturidade suficiente para compreender que tudo pode sair do controle às vezes, e se isso acontecer, todas as estratégias, planilhas e regras devem estar arquitetadas para ao menos organizarem a crise e fazerem dela um lugar confortável em que poderá sair mais forte e mais preparada para lidar com as inclemências da realidade.
Monica descobriu e redescobriu a jornada do herói várias vezes, terminando a sua história na sitcom no local de origem de seus sonhos, no bojo do amor verdadeiro, e viveu feliz para sempre – pelo menos até os baldes de litros que o último episódio me fez chorar.
“Welcome to the real world. It’s sucky. You’re gonna love it!”/ “Bem-vinda ao mundo real. É uma droga. Você vai amar” – Monica Geller
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