Confesso que demorei um pouco para finalmente começar a ler a Sinistra. Sabia que ia encontrar mais coisas lá dentro do que histórias boas e bem diagramadas. Queria um tempo sossegado pra poder ler, ver e refletir sobre o que estava sendo contado.
Foi bom ter feito isso, porque de fato eu li e refleti sobre. O único ponto negativo foi ter esperado demais pra ler coisas tão boas!
Idealizado pelo Hector Lima, autor já conhecido por seus trabalho na revista Heavy Metal, Sinistra, como o próprio nome já traduz, traz histórias de terror muitíssimo bem contadas. Nada muito exagerado, nem gore. É um terror que você não sabe muito bem por onde está vindo… Mas ele está lá!
A revista também conta com matérias bem colocadas. Belle Felix indica um lista de HQs de terror, enquanto a Jessica Reinaldo fala sobre as várias vertentes do gênero. Se você já ama o terror, sem dúvidas é um trabalho para se ter na prateleira.
Tive a honra de entrevistar o Hector sobre a revista, falando um pouco sobre o trabalho, o espaço para as mulheres no cenário e o que esperar das próximas edições. Confere aí:
1) Hector, conta um pouco mais sobre de onde veio a vontade de fazer a Sinistra.
Veio de uma união de várias vontades: do meu gosto por antologias, onde se descobrem novos autores e se aprecia uma história completa rapidamente; de acreditar que os leitores precisam de mais opções de produtos a preço relativamente acessível numa cena com álbuns de Quadrinhos cada vez mais caros; da boa lembrança que tenho de revistas como ANIMAL, DEADLINE e CRISIS, que me apresentaram a tanta coisa boa em uma estética por vezes de zine e com uma energia contestadora; por fim, além de autores convidados, de ter um veículo pelo qual eu também pudesse publicar no Brasil as HQs que tenho feito para a HEAVY METAL MAGAZINE nos EUA.
2) É quase impossível não interpretar o subtítulo da revista como uma analogia para o período que estamos vivendo aqui no Brasil. Em algum momento do projeto essa associação foi proposital?
Totalmente proposital, por isso mesmo o editorial da primeira edição, ao invés de comentar cada conteúdo da revista, se apresenta como uma alegoria sobre a ascensão do Fascismo que estamos vendo por todo o planeta, infelizmente, e inclusive no Brasil. Eu quase lancei a revista antes das eleições de 2018 – e de certa forma foi “bom” ter lançado depois, pois assim tive uma certeza maior do que havia dado errado e do que nos esperava mais adiante. Fazia um tempo eu vinha pensando na minha reaproximação com a subcultura Gótica e como de certa forma há um paralelo com uma espécie de “luto global” pelo qual a inconsciência coletiva parece estar passando, diante de tanta coisa ruim acontecendo. Ao mesmo tempo, assim como aconteceu comigo, quis mostrar como até nas sombras a gente pode às vezes encontrar refúgio pra suportar e processar sentimentos ruins – sejam individuais ou coletivos. A HQ que abre a revista, “Pista Sombria”, que fiz com o Abel, tem alguns desses conceitos.
3) Em uma rápida folheada, dá pra ver que dentro da revista há outros conteúdos além das histórias em quadrinhos. Enquanto lia, isso mudou completamente o ritmo da obra e deixou tudo mais dinâmico. A ideia de ter estes outros formatos estava no projeto desde o começo?
Legal que achou isso! Eu amo Histórias em Quadrinhos mas queria outros conteúdos na revista, ao mesmo tempo pra variar o ritmo e também reforçar algumas ideias pra marcar o que é a revista. Além das colaboradoras de texto, devo esse acerto ao design do Márcio Moreira, que – além de escrever um baita roteiro em “Noite de Lua Cheia”-, sacou e seguiu todas as minhas referências sobre qual cara o design precisava ter. Eu adorava esse tipo de coisa em revistas como ANIMAL e PANACEA; nessa última por exemplo fiz algumas das minhas primeiras colaborações de texto, resenhando fitas demo de bandas.
4) Dentro da revista há nomes de mulheres com bastante peso na produção de conteúdo sobre cultura Pop, como a Isabelle Felix, Jéssica Reinaldo, Camila Torrano, sem contar as personagens femininas das histórias. Como você vê o papel das mulheres nesse meio?
Fiquei bastante contente de esse número de estreia da revista SINISTRA ter quase metade de mulheres. A Isabelle é nesse momento uma das maiores leitoras / resenhadoras de HQ brasileira, com o projeto de comentar um gibi por dia no Instagram – o que ajuda na divulgação. A Jéssica pesquisa muito o universo do Terror, e foi ótimo ver as relações que ela fez com o contexto atual. A Larissa Palmieri vem mostrando a que veio como roteirista e ainda vai bombar bastante, em uma cena por onde ainda circula pouca gente que foca exclusivamente no roteiro. A Priscilla Petraites tem feito trabalhos cada vez maiores no mercado americano. E a Camila Torrano, além de quadrinista, é uma das ilustradoras com o trabalho mais criativo e interessante que vi nos últimos anos – tive sorte de a ter não só na capa incrível e na galeria de artes, mas também nas cores de “Acordâmbulo”. As mulheres sempre tiveram um papel essencial em tudo que diz respeito a Quadrinhos, desde muito cedo, mas historicamente nem sempre são lembradas quando se fala de mercado e trabalho de fato. Elas já reconquistaram seu espaço – cabe a nós homens enxergar isso, parar de duvidar do trabalho delas e deixá-las brilharem.
5) Um dia teremos uma Sinistra #2? O que podemos esperar dela?
Sim, este ano teremos pelo menos a #2 e talvez a #3, se eu conseguir seguir meu plano de fazer a revista semestral. Com quase certeza serão feitas via financiamento coletivo. Vamos ter uma HQ minha sobre um culto interplanetário com um desenhista argentino, entrevistas com bandas, colaborações de novos autores e várias histórias que a Família Brasileira vai adorar.
Sem dúvidas, Sinistra é um álbum para se ter na prateleira, seja você amante de terror ou não. Se bem que, mesmo se não gostar de terror, vai ser difícil manter a mesma opinião depois de ler.
Se curtiu a premissa da revista, você pode comprá-la na loja da Editora Fictícia.
Boa leitura!
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