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Sobre a Netflix, Cannes e mudanças

Como toda pessoa que habita o planeta Terra, vulgo nosso planetinha, você deve conhecer é claro a premiação do Oscar. O santo graal dos produtores, atores, roteiristas e diretores, onde Mise en scène, naquela que é a maior premiação do cinema internacional, mas com muito destaque para o cinema americano, já que além de ser a maior indústria, é onde estão alguns dos melhores profissionais.

Mas se você gosta de cinema, ou não está desligado do mundo, deve saber que existem outros festivais muito importantes, como o Globo de Ouro, o BAFTA e o Festival de Cinema de Berlim. E não me entenda mal, são premiações tão importantes quanto o Oscar, mas esse parece ter mais atenção. De qualquer maneira, existe um outro festival, que também tem uma boa dose de glamour e atenção, tanto pelo cinema, quanto pelo festival de criatividade, que acontece anualmente em Cannes.

Assim como o Oscar de melhor filme e o Urso de Ouro em Berlim, a Palma de Ouro, prêmio máximo do festival, é uma conquista muito valorizada por todos na indústria e almejada por todos os profissionais. Mas acontece que o Festival de Cannes premia e celebra o cinema e é aí que começa todo o dilema.

Esse ano, pela primeira vez na história, a Netflix inscreveu duas produções próprias para concorrerem à Palma de Ouro e esse foi justamente o problema. Alguns membros da comissão técnica, que este ano é presidida pelo lendário diretor Pedro Almodóvar, foram contra a presença da Netflix no Festival, alegando que os filmes não são exibidos no cinema. Logo, não poderiam participar da competição, já que uma das regras para inscrever o filme é justamente a veiculação nos cinemas.

Imediatamente, várias pessoas da indústria engajaram na discussão e foi aí que começou o rolo todo. Alguns defenderam o Almodóvar e a sua posição de defender o cinema, assistir o filme na telona e toda aquela coisa da experiência de se ir ao cinema ver um filme. Outros, como Will Smith, tomaram a rota oposta, reconhecendo a mudança no paradigma que muitos setores criativos vem enfrentando, que é justamente o serviço da Netflix. O Streaming e a liberdade na produção de filmes e para os próprios artistas, o impacto no consumo de obras audiovisuais, declarando que não viam problema e que acham sim que tanto o cinema quanto o streaming podem viver numa boa.

Com essa polêmica toda, a organização do Festival implantou uma regra: A partir de 2018, fica explícito no regulamento que filmes que quiserem entrar na competição, precisam necessariamente serem exibidos nos cinemas franceses após o Festival, como acontece tradicionalmente com todos os filmes que participam do festival e depois entram em cartaz nos cinemas da França e do mundo.

O Festival acabou, mas a polêmica não. Recentemente, o CEO da Netflix, Reed Hastings se posicionou sobre a questão durante uma coletiva de imprensa:

Não queremos brigar com ningúem, mas quando alguém quer brigar conosco, chama a atenção. E isso é fantástico para nós. Mais importante: é fantastico para Okja e The Meyerowitz Stories. Esses filmes ganharam mais atenção.

Bom, nenhum deles foi premiado no Festival (retaliação ou não do júri, mas cada um que entenda como quiser). O grande premiado do Festival foi o drama sueco The Square. E o que pode ser tirado dessa confusão toda? Na minha opinião, os dois lados tem uma parcela de erro e de acerto. E eu não quero, não gosto e não vou ficar em cima do muro, mas eu consigo entender qual é o ponto de um Diretor como Pedro Almodóvar, sobre a experiência do cinema. Ele tem razão, é mágico ir ao cinema, com todas as suas emoções e sensações.

Mas ao mesmo tempo, o mundo evolui, as pessoas mudam e os conceitos também. É muito ruim que um Festival que celebra a criatividade, fique preso à formatos. O filme não é e nem pode ser considerado um filme menor, por que ele não foi feito para o cinema. Eu entendo que é a regra do Festival e claro, isso blinda produtoras, que estão com um medo danado da Netflix.

Não é a primeira iniciativa para meio que boicotar o serviço. Mas enquanto eles só compravam licenças de exibição, as produtoras poderiam simplesmente se negar a vender. Foi por isso que a Netflix entrou no ramo da produção de conteúdo. E como tudo que essa empresa se mete a fazer, é bem feito. O mundo do consumo de conteúdo está mudando mais rápido do que nunca, mas a indústria do entretenimento parece querer apenas destruir a novidade e não aprender e aproveitá-la. Música, cinema, TV e até livros estão sendo consumidos de maneira diferente e as produtoras de cinema não vão mais ganhar a cachoeira de dinheiro que ganhavam antes. Todo mundo tem a ganhar com uma evolução, menos quem se agarra a métodos ultrapassados e a mudança é inevitável. Aliás ela já está acontecendo e a Netflix querer concorrer em um Festival como Cannes, só prova o ponto.

Como Reed Hastings falou, não queremos brigar, mas qualquer atenção que nossos produtos ganhem é válida. Mas e você? O que pensa dessa polêmica? O Festival tem razão em podar e filmes produzidos para serviços de Streaming não podem competir com o cinema tradicional? Ou tem espaço para todos?