Agosto chegou e, como tudo em 2020, nada acontecerá como o esperado. Normalmente é em agosto que uma crescente parcela dos “fãs do esporte” brasileiros se junta a milhares de torcedores americanos para matar as saudades do Football com os amistosos da pré-temporada. É aquela época do ano que serve apenas para integrar os calouros e soltar na arena os jogadores contratados na intertemporada e ver como todos se saem. Titulares costumam ser poupados para evitar “acidentes” e, mesmo assim, estamos ali, na frente da telinha apenas pela saudade. Os jogos são horrorosos, reconheço, mas fazem parte de mais um ritual anual a que seremos privados devido a esse vírus maldito.
Para suprir a abstinência, eu poderia lhe sugerir uma ótima lista de séries documentais que estão disponíveis no Amazon Prime ou ainda complementar a lista de filmes com temática footballesca que já publicamos por aqui na época do Super Bowl. Mas vou complicar um pouco mais a sua vida e recomendar uma das melhores séries de TV que, infelizmente, saiu do catálogo do Prime brazuca há um tempo e – lamentavelmente – não é oferecida por nenhum serviço de streaming ou canal de TV por assinatura no momento: Friday Night Lights.
Fazendo referência aos jogos semanais que acontecem na sexta à noite para a liga colegial (o equivalente ao nosso ensino médio), Friday Night Lights foi ao ar entre 2006 e 2010 narrando o cotidiano da ficcional cidade de Dillon, no Texas, que gira em torno do time de uma das suas escolas, o Dillon Panthers. No centro da trama está a família Taylor: o técnico do time, Eric (Kyle Chandler – pós Early Edition, pré King Kong e O Lobo de Wall Street), sua esposa, Tami (Connie Britton – pós Spin City, pré Nashville) e a filha adolescente, Julie (Aimee Teegarden – Star-Crossed). O dia-a-dia do casamento de Eric e Tami são um espetáculo de roteiro e de atuações, mostrando um casamento da vida real, com parceiros que lutam todos os dias por si e pelo outro, com muito amor e as pequenas renúncias de um casamento de verdade – algo muito raro na TV, que adora estereótipos extremistas.
O piloto é um primor, mostrando toda a pressão do primeiro jogo da temporada e lançando, de cara, algumas subtramas de forma simples e brilhante. A grave contusão de um dos titulares do time é o ponto de partida de alguns belos arcos dramáticos: do próprio atleta, sua namorada, seu melhor amigo, seu substituto e, obviamente, dos membros da família Taylor. Em suas cinco temporadas, a série ajudou a lançar no mainstream alguns nomes como Gaius Charles (Grey’s Anatomy, Taken), Taylor Kitsch (X-Men Origens: Wolverine, True Detective), Minka Kelly (Parenthood, O Mordomo da Casa Branca), Adrianne Palicki (Agentes da S.H.I.E.L.D., Supernatural, John Wick – De Volta ao Jogo) e os recorrentes Jesse Plemons (Black Mirror, Breaking Bad, Fargo) e Michael B. Jordan (The Wire, Creed, Panthera Negra).
Assim como na condução das relações no núcleo da família Taylor, FNL vai muito além dos estereótipos que cercam o esporte: a cheerleader gata, o quarterback arrogante, os nerds do grupo. Todos se revelam muito mais do que se espera, graças ao roteiro e à direção. E algo que é muito incrível: todo personagem importa. Demais. Assim, temos personagens e arcos dramáticos extremamente bem desenvolvidos. Outro dois pontos de destaque são a trilha sonora e as locações (em Austin), muitas fora de estúdio, acrescentando mais profundidade às questões da comunidade que retrata.
FNL é intensa, alternando as narrativas primárias e secundárias de forma magistral. Às vezes é um drama familiar, noutras um thriller esportivo. Fala sobre competitividade mas também sobre escolhas, amadurecimento, adversidades e, por que não, diversidade. Tudo isso sem abandonar o foco da vida numa comunidade interiorana do Texas, algo que transita entre o conservadorismo extremo e o sonho americano. E FNL não esconde ou suaviza os problemas culturais em que acaba esbarrando nessa proposta. Mostra a pressão de ter que cumprir o calendário igreja e futebol de uma comunidade onde tudo é política e se vê a todo momento belos exemplos da síndrome do pequeno poder.
FNL tem um dos melhores finais que já vi na TV e, com muitos mais pontos prós do que contras (o pior ponto fraco está na confusão narrativa da 2a temporada), é perfeita para nos fazer esquecer um pouco a pandemia e passar por agosto rumo ao kickoff da temporada no dia 10 de setembro. A série mostra que a vida não é perfeita e nem sempre sabemos o que o destino nos prepara, mas reflete humanidade e otimismo suficientes para dar um refresco em meio à tanta adversidade. Em termos esportivos: é um gol de placa.
Drops:
- Além de ganhar o Emmy de 2011 como melhor ator de Drama, Kyle Chandler ainda atuou paralelamento às gravações como bombeiro voluntário e acabou se tornando uma espécie de embaixador da atividade conclamando outras pessoas a voluntariarem-se.
- Nem todos os rapazes sabiam efetivamente jogar a oval durante as filmagens. Giaus Charles, por exemplo, não era nada “Smash” como running back de verdade, mas as habilidades de Michael B.Jordan como quarterback deixavam todos no set impressionados. O mesmo para Taylor Kitsch que jogou hockey por 20 anos antes de atuar.
- O Personagem Jason Street foi inspirado no drama de David Edwards, que ficou paralisado em 2003 enquanto jogava na defesa do San Antonio Madison. O calouro fraturou a 4a vértebra ao chocar-se contra um wide receiver do Austin Westlake e perdeu os movimentos do pescoço para baixo.
- Connie Britton e Kyle Chandler pediram aos roteiristas que não inventassem um caso extra-conjugal para nenhum dos dois personagens. Ambos achavam que não caberia nos personagens além de acreditarem que já havia muito drama na série.
- Durante a campanha presidencial de 2012, Mitt Romney se apropriou do lema do Dillons Panthers: “Clear Eyes, Full Hearts, Can’t Lose“. Em uma carta aberta, Peter Berg (um dos direitores e showrunners) pediu enfaticamente que o republicano elaborasse seu próprio slogan.
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