Neste fim de semana (entre 20 e 21 de junho) a HBO gringa está disponibilizando todos os episódios de Watchmen (2020) gratuitamente em suas plataformas digitais como forma de “uma extensão do conteúdo da rede, destacando experiências, vozes e contadores de histórias pretas”. Não sabemos ainda se a iniciativa será replicada por aqui, mas isso nos fez lembrar que nunca copartilhamos todo o deslumbramento que Watchmen nos proporcionou quando lançada, no início deste ano.
Sim, Watchmen é uma obra-prima da televisão! É mais uma gol da HBO que, a despeito do final pra lá de controverso de Game of Thrones, tem adaptado clássicos geek com razoável desenvoltura. Nas mãos de Damon Lindelof (Lost, The Leftovers), Watchmen conseguiu fazer jus a uma das histórias mais complexas e bem conduzidas do universo dos quadrinhos.
Resumidamente, em 1986, Alan Moore e Dave Gibbons criaram uma série limitada de quadrinhos para a DC que, por inúmeros motivos, parecia que nunca teria espaço no cinema ou na TV. Tendo a Guerra do Vietnã e a Guerra Fria como pano de fundo, os quadrinhos eram intensos, provocadores e eram, consequentemente, tidos como subversivos. Tudo isso ajudou a elevar a barra do desafio a ser enfrentado por Lindelof.
A adaptação não se deu apenas na adequação do veículo. Da trama original de Moore e Gibbons, saiu a Guerra Fria e entrou – ou melhor, persistiu – o racismo. E, para que ninguém tenha dúvidas sobre isso, a série dá o tom logo na primeira cena, ao dramatizar o massacre de Tulsa promovido por supremacistas brancos em 1921. Essa decisão, assim como a de alçar a policial vingadora ninja fodona and preta Angela Abar (a incrível Regina King) ao status de heroína protagonista, casa perfeitamente com a crítica visão de Alan Moore ao universo dos super-heróis brancos de então (anos 80).
“Salvo uma meia dúzia de personagens não-brancos (assim como de criadores
não-brancos), esses livros e esses personagens icônicos ainda refletem o sonho de uma ‘raça superior’ dos supremacistas brancos.”
Alan Moore
Além de Regina King (The Big Bang Theory, American Crime, The Leftovers, 24 Horas), a série conta ainda com uma excelente atuação do subestimado Jeremy Irons (Liga da Justiça, Assassin’s Creed, Os Bórgias) e traz Don Johnson (Miami Vice, Django Livre), Hong Chau (Big Little Lies, Treme), Jean Smart (Legion, Fargo, 24 Horas) e Louis Gossett Jr. (Inimigo Meu, Roots, Stargate SG-1) para completar um elenco especialmente harmônico.
Eu poderia parar por aqui e simplificar com “é tudo perfeito” mas não é o caso. Os arcos são todos resolvidos, embora alguns sejam forçados enquanto outros estão subutilizados. Mas isso não é nada frente aos detalhes positivos da obra:
– policiais não são inimigos – eles também são alvos e por isso também precisam andar mascarados;
– ainda melhor, um policial negro e gay é o primeiro herói mascarado desse universo;
– a nostalgia pode ser uma droga (literalmente);
– colocar um sinal de círculo feito com o polegar e o indicador na testa como sinal da sociedade secreta racista Ciclope, uma crítica à tentativa de supremacistas brancos de tentarem se apropriar do popular sinal de “OK”;
– o Doutor Manhattan, bem… nem preciso comentar: que momentos!
Essa é só uma parte de toda a maravilha que é Watchmen, uma obra corajosa sobre o poder e o que fazer dele. Muito do sucesso da série está – além do respeitar às premissas ideológicas de Moore, claro – na ousadia de tentar desconstruir nossos heróis e questionar suas origens e seus propósitos. No fundo, nos instiga a questionar como a história nos é contada (o herói preto que, por ser tão bom, foi “embranquecido” pelo imaginário popular, por exemplo, te lembra alguma coisa?) e quem nos conta.
Ou seja, um série perfeita, com tamanho perfeito, final perfeito, TIMING PERFEITO. Se você ainda não viu, é urgente que veja. Dificilmente teremos algo parecido no universo dos super-heróis por um bom tempo.
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